Alexander Payne + Nanni Moretti + Bradley Cooper + Eli Roth + Emerald Fennell
filmes vistos em janeiro/2024 (1ª quinzena)
The Holdovers/ Os Rejeitados
Alexander Payne [EUA]
Eis a grande possibilidade para Payne exercitar sua fantasia de Hal Ashby: um olhar disposto à compreensão da natureza humana, onde a amenidade compensa a emoção com uma certa ironia. Ashby cedia espaço para que as atuações adquirissem potência; aqui, os atores reconhecem a psicologia de seus personagens e os conduzem com uma inteligência sensível (especialmente Da'Vine Joy Randolph em sua impressão do luto), apesar das interferências analíticas de Payne. Afinal, a mesma engenharia autoconsciente que induz a forma à nostalgia da Nova Hollywood também enfatiza os frutos das trocas indiretas entre essa família improvisada de réveillon. Uma relação onde as responsabilidades se permutam para que haja a aceitação mútua das idiossincrasias, visando o equilíbrio individual entre instinto e disciplina. Estabilidade essa que o próprio filme alcança em certos momentos de graça e melancolia, graças à sinergia do elenco.
Il Sol Dell’Avvenire/ O Melhor Está Por Vir
Nanni Moretti [Itália/França]
A transgressão de Moretti não está no otimismo declarado do título (“O sol do futuro”) pintado em rubras letras garrafais. Está na dispensa dos extremos, na partilha da compreensão pelos anseios, na recusa da demanda externa de identificação que é mero reforço do ego. O filme político-poético necessita do filme romântico-musical para existir, assim como o profissional e o particular se retroalimentam na existência do protagonista. Pelo encadeamento das cenas o discurso assume uma dialética que inscreve na própria estrutura fílmica as contradições, os princípios e as vontades de Giovanni. Essa dinamização amplia a construção psicológica do personagem ao mesmo tempo que é fiel ao seu modo particular de lidar com os desafios que lhe atravessam. Sua relação com o meio propaga uma ressonância interna capaz de alcançar uma recomposição complexa - e ironicamente sensível - do fazer e do viver. Quando a fé no desejo espontâneo de mudança é assumida e a abstração individual (o suicídio) dá lugar àquela coletiva (a passeata utópica), Moretti assume a inspiração francamente humanista através da representação cinematográfica.
Maestro
Bradley Cooper [EUA]
Dentre as diversas tensões que MAESTRO articula a que obtém êxito é a dualidade compositor/performer que equipara Bradley a Bernstein. A própria operação conceitual se distancia da mise-en-scène que banaliza um arsenal de técnicas (Kenneth Branagh), aproximando-se de uma sensibilidade atenta ao ritmo dos atores dentro dos espaços (Clint Eastwood). A encenação concentra o substrato do drama nos corpos, induzindo-os a sustentar a espessura psicológica do próprio filme. Ainda que busque complexificar a ambivalência nas relações a partir do jogo de influências entre a esposa e os amantes na trajetória de Bernstein, MAESTRO é menos um melodrama clássico do que um folhetim frenético. A força dos instantes se sobrepõem àquela da sucessão e a estrutura dramática carece de uma progressão tonal. Ou seja, a compreensão de Cooper perante o seu biografado espelha o sentimento míope de um gênio flamboyant, onde a vaidade convive com a aptidão.
Thanksgiving/ Feriado Sangrento
Eli Roth [EUA]
O grande mérito oportuno do pessimismo crítico de Eli Roth é comprovar que não é preciso recorrer ao terror “elevado” para fazer um comentário mordaz sobre o comportamento contemporâneo. O resultado é o contrário da mera reprodução de sentido que implica a dita “sobriedade” daquele subgênero: as ideias aqui potencializam a própria forma da narrativa. Enquanto alguns se contentam em emular John Carpenter, Roth vai no recheio - e depois regurgita.
Saltburn
Emerald Fennell [EUA/UK]
(ou “O Talentoso Ripley” adaptado por Xavier Dolan)
A proposta se limita à uma mecânica narcisista: a imagem de forte apelo plástico deriva da visão de mundo do protagonista e encontra o seu reflexo amplificado na nobreza decadente de Saltburn. A sedução dessa estética, todavia, nunca alcança uma intensidade estrutural: o tabuleiro cênico apenas converge infinitamente num movimento egocêntrico, distanciando-se da sensação de volúpia que caracteriza as ações de um mastermind. Toda a premissa se resume à banalidade de uma cosmética imediata, destituída de retórica e repleta de autoindulgência. Não à toa a representação da sede vampiresca se satisfaz com os apelos de uma rebeldia prêt-à-porter, que posa de incisiva mas só está atenta às possibilidades do shock value. Distante de qualquer sarcasmo incômodo, a subversão social de Fennell mais uma vez se resume à simplificação do ‘olho por olho, dente por dente’.