As dores e delícias (nem tão) supérfluas na corrida pela estatueta dourada
Apreciações soltas sobre a temporada de premiações 2025
Até mesmo quem está orbitando fora da Terra já sabe que o Brasil está de volta ao Oscar depois de um longo e tenebroso inverno, com direito a marcos surpreendentes na cinematografia nacional. Considero a grandeza da performance de Fernanda Torres superior ao próprio Ainda Estou Aqui. E, levando em conta o mérito e o perfil dos demais indicados pela Academia, as vagas conquistadas pelo filme são justas. Poderia até mesmo se pensar numa entrada em Melhor Roteiro Adaptado, considerando a vitória nesta categoria no último Festival de Veneza, um dos precursores das premiações.
Aliás, quero comentar sobre as nomeações em geral, já que a awards season é esse misto anual de diversão e aposta pelo reconhecimento da indústria aos nossos favoritos particulares. É paixão retroalimentando os interesses econômicos da fábrica de sonhos hollywoodiana. Tão irresistível quanto um campeonato esportivo.
1- Onde está Luca Guadagnino no Oscar 2025? Que a catatônica atuação do ex-007 em Queer fosse preterida por Sebastian Stan (no auge por Um Homem Diferente e O Aprendiz) ou até Hugh Grant em um filme de terror (Herege), gênero sempre temido pela Academia, alguns até apostavam. Eu segui relutando até o fim. Pelo menos Stan garantiu sua vaga pelo desempenho interessante como o homem que não é diferente, mas intolerável a.k.a. o inominável atual presidente dos EUA. O meu descontentamento por Craig foi compensado pelo reconhecimento dado a outro favorito (meu) da temporada, Jeremy Strong, em Melhor Ator Coadjuvante. Como o implacável mentor Ray Cohn em O Aprendiz, Strong é o melhor elemento de um longa questionador que, resistindo aos esforços do principal biografado em bani-lo, merecia maior curiosidade do público. Esse período pré-Oscar poderá garantir isso. E mesmo sem Craig, a categoria de Melhor Ator detém uma das escalações mais afiadas dos últimos anos: garantiu Colman Domingo (Sing Sing) e Ralph Fiennes (Conclave), sempre infalíveis na eficiência interpretativa, além de consolidar o ex-it boy Timothée Chalamet, tornando-o no segundo ator mais jovem a ser indicado duas vezes (sucedendo James Dean). Chalamet concorre pelo papel de Bob Dylan em Um Estranho Desconhecido, assim como protagoniza Duna: Parte Dois. Ambos foram indicados a Melhor Filme, garantindo-lhe ampla visibilidade.
Falar de Chalamet me faz retornar a Guadagnino (Me Chame Pelo Seu Nome…). Nada de Rivais, o grande filme de 2024. A vitória no Globo de Ouro (em trilha musical) e as quatro indicações ao Critics Choice (roteiro, trilha, edição, canção) assim como as menções pelos sindicatos dos editores, figurinistas e roteiristas não passou de alarme falso. Nenhuma possibilidade de estatueta dourada para os envolvidos no triângulo amoroso entre Zendaya, Josh O’Connor e Mike Faist. Uma pena. Prevaleceu a perspectiva do BAFTA, que também ignorou o filme.
2- E por falar na Academia Britânica, nada também de Marianne Jean-Baptiste e o novo trabalho de Mike Leigh, Hard Truths. Muita gente garantiu que a valorização do filme na lista de indicados ao BAFTA seria um indício da movimentação a ser promovida pela ala britânica em Los Angeles. O fato de Leigh e Jean-Baptiste repetirem a dobradinha de Segredos e Mentiras, longa com cinco indicações no Oscar 1997, também alimentou as apostas. A falência de Hard Truths, contudo, abriu espaço para a entrada de Fernanda Torres na disputa por Melhor Atriz. Afinal, alguém realmente apostou em Pamela Anderson por The Last Showgirl, numa narrativa de “reconhecimento tardio” similar a de outra concorrente, Demi Moore? Anderson está desfilando pelos tapetes vermelhos sem maquiagem, mas o discurso afiado de Moore na vitória do Globo de Ouro foi fundamental para estabelecê-la como a predileta ao Oscar. Se a atriz de Ghost adotasse a estratégia da musa de Baywatch, seria até mais condizente com os valores de A Substância.
Todas as performances indicadas à Melhor Atriz pertencem a títulos também concorrendo a Melhor Filme. Há quem arriscasse em Cynthia Erivo de fora, considerando a esnobada à Margot Robbie na premiação passada. Mas como tornar a ideia de “desdenhar a protagonista de um blockbuster” em uma estatística quando: a) os próprios marcos estão caindo um a um a cada nova temporada de premiações, à medida que membros mais novos e de outras partes do mundo adentram o corpo de votantes do Oscar; b) Wicked teve seu lançamento e êxito exatamente no período entre a abertura e o início das votações (ao contrário de Barbie, cuja febre midiática se deu seis meses antes da temporada). Para mim, Erivo sempre esteve garantida no time. Se a paixão por Wicked terá sido apenas fogo de palha e o musical sairá de mãos abanando no 1º domingo de março, não podemos prever. Contrariando outra “estatística”, a da “atriz protagonista de biografias hysterial-in-a-floral-dress de Pablo Larraín”, a Callas de Angelina Jolie não conseguiu a mesma vaga de Natalie Portman (Jackie) e Kristen Stewart (Spencer) em anos anteriores. Ironicamente, só coube à Callas a menção pelo seu componente mais duvidoso: a fotografia de Ed Lachman. Falta de critério também aplicada à Emilia Perez e sua edição hedionda (de Juliette Welfling). Dentre as esnobadas, sinto pela ausência de Nicole Kidman, que tomou para si Babygirl e nos deu uma das grandes performances femininas da temporada (juntamente com Fernanda Torres, é claro).
3- Aliás, tratando de A Substância e suas 5 indicações, incluindo Melhor Filme, Roteiro e Direção… será mesmo uma concessão da Academia de Los Angeles ao terror corporal? Ora, há elementos viscerais no filme de Coralie Fargeat mas, sobretudo, trata-se de uma espécie de “terror social” (assim como Corra!, com quatro nomeações no Oscar 2017). E que dá protagonismo às preocupações mais fúteis do próprio star system, repreendendo-os e moldando assim uma parábola moral. Isso sem nunca abdicar da própria estética aliciante para a qual aponta o dedo, diga-se de passagem. Não à toa o filme se tornou um fenômeno cultural e sua indicação, sem dúvida, se deve ao intenso boca-a-boca nas redes sociais. Contudo, tanto Moore quanto Margaret Qualley são a alma de A Substância. E, sendo a filha de Andie MacDowell uma das atrizes mais cativantes e promissoras da atual Hollywood, sua ausência dentre os indicados é no mínimo imparcial. Ainda na esfera do horror, a menção à superprodução Nosferatu ficou limitada às categorias técnicas. Enquanto a obra de Robert Eggers permanecer na esfera artsy do horror elevado, vai ser difícil de alcançar o prestígio maior da indústria. Pela grandiosidade calculadamente academicista de seus filmes, fica óbvio que o diretor almeja isso.
4- Sobre a “hora certa”: Sean Baker está no seu melhor momento e finalmente foi reconhecido pelo Oscar com as indicações a melhor direção, roteiro e montagem pelo precioso Anora. É também um dos favoritos a Melhor Filme, na linha de frente do campeonato junto com O Brutalista e Emilia Perez. O último, aliás, obteve 13 indicações, o maior número para um filme em língua não-inglesa da história (bastava mais uma e se igualava a Titanic). Para um filme francês situado na Cidade do México, com mais da metade do elenco norte-americano é um feito e tanto… certo? Por falar no longa de Jacques Audiard, é curioso perceber como em menos de seis meses ele passou de must do Festival do Rio (quem assistiu na ocasião lembra da dificuldade de garantir um simples ingresso) para inimigo público nº 1 (o film twitter segue impiedoso em sua mistura capciosa de reviews certeiras e transfobia camuflada). Convenhamos, Emilia Perez tem inúmeros problemas mas Karla Sofía Gascón - a primeira artista transgênero a ser indicada na História - e Zoe Saldaña estão longe de ser um deles. A dupla de atrizes é o que mantém algum interesse possível ao longo dos 140 minutos. Suas indicações foram justíssimas e a ausência da colega Selena Gomez, também. A cota imaginária de artistas pop no setor de atuação foi bem preenchida por Ariana Grande e suas gags graciosas. Já a nomeação de Audiard ocupa a vaga de Edward Berger, responsável pela construção astuta de Conclave.
5- Não foi só Conclave - cuja ausência em Direção e Fotografia são letais na corrida por Melhor Filme - que performou abaixo do esperado. Outros títulos frustraram expectativas na bolsa de apostas: a artilharia pesada da Paramount, Setembro 5; o irlandês Kneecap, queridinho do BAFTA (liberando assim a Sony Classics para focar exclusivamente na campanha por Ainda Estou Aqui); Sing Sing, drama carcerário preterido por sua hypada produtora A24 em prol da divulgação de O Brutalista; Tudo Que Imaginamos Como Luz, longa indiano amado pela crítica que foi desvanecendo no último mês; Gladiador II, invalidando as tentativas do velho publicitário Ridley Scott em nos iludir com um mousse blockbuster; e Duna - Parte 2, que mesmo indicado a Melhor Filme parecia disposto a fazer justiça pelo primeiro longa quando estreou lá no longínquo abril de 2024. Não vai rolar, Denis Villeneuve. Há quem culpe a Warner por divulgar uma espécie de 3ª parte isolada de Duna, a qual supostamente retomaria o universo para conduzir os personagens principais por uma nova jornada (é ou não é uma trilogia, afinal? risos). Isso ocasionaria um efeito Senhor-dos-Anéis, onde o Oscar deixou para premiar apenas o filme final, como um arremate da série. Eu aposto na simples perda do momentum. Nem sempre a tática da campanha de lembrança convence. Ou então, será que os votantes sacaram o engodo que são as dunas villeneuvianas? Hmmm…
6- Por outro lado, a sublime animação Flow supreendeu com a indicação extra a Melhor Filme Internacional, representando a Letônia. Dentre os indicados a Longa de Animação, é de longe o melhor. Apesar de contar com a maior bilheteria de 2024 (Divertida Mente 2), a Disney não tem muitas chances este ano. A briga deverá ficar entre Flow e Robô Selvagem. A lembrança de Alien: Romulus em Efeitos Visuais (já sugerida pela frequência nas pré-listas de categorias técnicas) e a confirmação de Nickel Boys na categoria principal também mantiveram a satisfação dos cinéfilos mais devotados.
E assim a awards season entra na sua etapa mais intensa. Há favoritos em cada categoria mas, ao contrário de Oppenheimer no ano passado, nada é garantido por enquanto. Nem os coadjuvantes Kieran Culkin (por A Verdadeira Dor) e Zoe Saldaña, nem Demi Moore. Com as cerimônias do Critics Choice, do BAFTA e dos sindicatos dos Atores, dos Diretores e dos Produtores, todas no mês de fevereiro, estabelecer-se-ão os direcionamentos e o uso inteligente destas plataformas será decisivo. Ainda Estou Aqui marcará presença no Critics e na celebração da Academia britânica como indicado a Filme Internacional. Fernanda Torres, aliás, ganhou o prêmio de Melhor Atriz Internacional do Critics Choice em outubro do ano passado, condecoração pouco comentada.
A lista completa com todos os indicados está no site do Academia. E o texto com as minhas apostas sairá na véspera da premiação.