Lançamentos vistos na última quinzena:
Bridget Jones: Mad About The Boy
de Michael Morris (EUA/França/Reino Unido, 2025)
De todos os desdobramentos no universo da precursora do bullet journal como tendência, este é o único digno de consideração. E não é à toa. Bridget Jones: Louca Pelo Garoto se refere constantemente ao longa original em estrutura, alusões cênicas e ritmo. Contudo, à medida que o filme se defronta com tal memorabilia, a ação do tempo vai revelando a sua influência incontornável.
Uma vez que a Bridget Jones de 2001 conquistou suas metas românticas, o que fazer quando o destino vem atestar o prazo de validade das realizações e, de uma hora pra outra, se faz necessário botar um cropped e reagir? De volta ao começo, em plena meia idade e com dois filhos pequenos.
Ora, o anacronismo das idealizações é a oferta possível do mundo contemporâneo, inserindo no mapa da vida um atalho para a frustração quando torna evidente as limitações do desejado reencontro com o passado. Chiwetel Ejiofor e Leo Woodall, os novos avatares Jane Austenianos (perceba, agora não mais referenciados na composição dos personagens em si e sim na projeção romântica de Bridget em relação a seus pretendentes) são incapazes de substituir os charmes particularizados de Hugh Grant e Colin Firth. A fisionomia reformada de Renée Zellweger jamais recupera a doçura ababelada de outrora. Mas quando Louca Pelo Garoto recorre à velha muleta do videoclipe pop para sinalizar o tom dramático e resumir as sequências, instala um tom de autoironia até então ausente na franquia (c.f. o gosto agridoce do encadeamento entre três passagens musicais que erigem o ritmo kamikaze da paixão, seu clímax e a inevitável frustração: a evocação publicitária contida na versão de Dinah Washington para a música-título; o assumido flashback “noventista” no big beat de Fatboy Slim (“Praise You”); e o cover-muxoxo de “A Little Respect”).
À medida que o longa busca uma integração entre saudosismo e melancolia como forma de sustentar a si mesmo e o próprio futuro de Bridget, fica claro que o pleno equilíbrio revisionista só não é atingido pela falta de destreza do roteiro em lidar com as atualizações do cenário feminista para além do consentimento protocolar. Será na reafirmação das idiossincrasias de sua protagonista (e do filme original) onde Louca Pelo Garoto encontrará a sua graça. Não se trata, contudo, de mero conformismo. Afinal, a de Bridget Jones do início do século é um (charmoso) retrato de sua época, já meio démodé para a era do empoderamento. A questão aqui é alcançar uma certa estima pela memória, capaz de atribuir um brilho tonal a este reencontro com uma personagem essencialmente incapaz de alcançar o equilíbrio.
E não seria a busca pela capacidade de seguir em frente e, ao mesmo tempo, manter o zelo pela lembrança dos afetos perdidos a característica que move o eixo central de Louca Pelo Garoto? A continuação dirigida por Michael Morris alcança seu objetivo por caminhos tortos…
Captain America: Brave New World
de Julius Onah (EUA, 2025)
Quase 20 anos depois do início de seu universo cinematográfico, a Marvel se vê obrigada a renovar o casting - menos por demanda popular do que pelo envelhecimento e cansaço dos atores. Após uma fase de testes na série do Disney+ “Falcão e o Soldado Invernal” (o desdobramento infinito das franquias da Marvel está cada vez mais difícil de se acompanhar), Anthony Mackie substitui Chris Evans no papel de Capitão América. Mackie assume o protagonismo com uma dupla função extrafílmica: manter a reabilitação econômica provocada por “Deadpool & Wolverine” (2024) e conquistar a aceitação da horda de fãs como um dos super-heróis mais representativos da marca. Entretanto, o quão a Marvel está segura de apostar suas fichas nesta renovação em meio à instável 5ª fase de seu Cinematic Universe, apelidada por muitos como o início do declínio? Eis que Harrison Ford entra na jogada substituindo William Hurt, falecido em 2022.
Grande herói do cinema de aventura hollywoodiano enquanto franquia - além de “Star Wars” (1977-2015), “Indiana Jones” (1984-2023) e “Blade Runner” (1982-2017), ele também já foi o rosto de Jack Ryan para as adaptações cinematográficas do “Ryanverse” escrito por Tom Clancy (1992-1994) -, Harrison Ford assume novamente o papel de presidente dos EUA (“Força Aérea Um” (1997), lembram?). Entretanto, é o volúvel personagem vivido por Ford o verdadeiro pivô de Capitão América: Admirável Mundo Novo. É ele quem detém o arco central de transformação, cuja fraqueza humana disponibiliza a motivação necessária para o novo Capitão América legitimar sua competência justiceira, sobrepondo-se à autoridade política mais influente do planeta.
Talvez pela pretensão de exibir alguma maturidade, este é um dos longas da Marvel com o tom mais sisudo. Ainda que as ambições temáticas sejam ingênuas, a porção thriller-de-espionagem se desenvolve com acuidade. Girando em torno da temática sobre um poder manipulativo capaz de atuar pelo subconsciente, a trama se esforça em perder o mínimo de tempo possível com a amarração de pontas soltas e o arremesso de novas pistas, protocolos típicos dessa infindável tentativa do estúdio de organizar um universo narrativo atulhado de subprodutos audiovisuais.
Ao mesmo tempo, as sequências de ação em Admirável Mundo Novo se contentam com uma criatividade moderada. A velocidade submissa jamais excede os limites impostos pelas diretrizes da exposição narrativa: o ritmo é articulado exclusivamente pela aceleração da edição; a escala diferenciada dos oponentes não reconhece uma variedade espacial para além da decupagem truculenta; o choque dinâmico entre os vetores se dá de forma previsível e, por isso, pouco enérgica.
O saldo final? Bem, enquanto o Capitão América de Anthony Mackie se ressente de carisma para sustentar um longa-metragem, Harrison Ford (aos 82 anos) ainda detém o pleno domínio sobre as necessidades figurativas mais básicas em relação à performance na produção industrial do “cinema-de-ação”. Por outro lado, a Marvel deixa subentendido que, para ela, amadurecer o espetáculo é sinônimo de cautela excessiva quanto aos seus efeitos de fascinação. Falta bravura a este novo mundo/fase/universo/etc.
Como compensação, a declaração de Harrison Ford a respeito de sua entrada no Marvel Cinematic Universe é uma atração à parte (“O que foi preciso? Era preciso não se importar. Foi preciso ser idiota por dinheiro, o que já fiz antes”). Quando Chris Evans, Robert Downey Jr. e cia. aceitarem as ofertas milionárias da Marvel para reviverem seus heróis e alimentarem o saudosismo cada vez mais precoce do mainstream, serão tão espirituosos assim?
The Monkey
de Osgood Perkins (EUA, 2025)
Ao contrário de “Longlegs” (2024), onde Osgood Perkins buscava evocar o “estranhamento familiar” (ou o “unheimlich” freudiano) através do estabelecimento atmosférico da abjeção, O Macaco recorre à montagem estrutural para alcançar uma indefinida zona visceral entre o satírico e o trágico. Perkins arregimenta, por meio de um conflito estabelecido através da justaposição dos planos fixos, um sistema de choques entre comédia e horror (ora pela fusão, ora pela comparação). O absurdo e o bizarro se confrontam para que a sensação de perigo se materialize numa dimensão alimentada por superstição e paranóia. Nesta sistemática ritualizada, orientada pelo fetiche por objetos, os resíduos violentos impactam no caráter gráfico das composições (e é aqui onde se percebe a influência de James Wan como produtor): o mistério se estabelece visualmente como uma recorrência neurótica, dando peso à progressão narrativa. Em comparação com o seu longa anterior, a inquietante veia formalista de Perkins encontra aqui um método expressivo menos ostentatório e mais minucioso.
No enredo, os gêmeos Hal e Bill (interpretados por Christian Convery na pré-adolescência e Theo James na fase adulta) têm suas vidas viradas de ponta-cabeça por causa de uma herança do pai desaparecido: um amaldiçoado macaco de brinquedo, capaz de disparar acidentes fatais em torno dos irmãos. O risco de vida é então estruturado como uma pulsão desvelada pela falta. Conteúdo latente no texto de Stephen King que dá origem ao roteiro, a impossibilidade de alcance da figura paterna é um melodrama familiar que subrepticiamente costura a trama. O Macaco se utiliza dela de maneira simbólica mas encontra dificuldades para perfurar as superfícies e torná-la um ponto de inflexão capaz de humanizar os personagens em meio ao tensionamento entre o humor negro e o pavor. Neste sentido, enquanto resolução do trauma (independente de sua cura ou manutenção, este é o elemento homogêneo entre a heterogeneidade de gêneros), a narrativa pouco evolui.
Mickey 17
de Bong Joon-ho (EUA/Coréia do Sul, 2025)
Após o êxito de “Parasita” (2019), Bong Joon-ho retorna com uma ficção-científica high-concept, o maior orçamento de sua carreira. No futuro não muito distante, espaçonaves abandonam a Terra rumo à colonização do planeta Niflheim através de um empreendimento captaneado por um político egocêntrico. Em uma delas está o empreendedor falido Mickey Barnes (Robert Pattinson), único candidato à vaga de “descartável” da tripulação. O corpo de Mickey se torna objeto de inúmeros testes científicos e adaptativos, sendo continuamente clonado após cada descarte.
Mickey números 17 e 18, dois corpos e uma mesma consciência. Robert Pattinson em dose dupla, ator cuja performance se entrega à uma fragmentação que está para além da dicotomia maniqueista, soando mais como uma concessão existencial aos pensamentos intrusivos. Bong Joon-ho, um cineasta auto-inserido na alternância entre a fábula política e a parábola humanista. Em tais duplicidades, há uma constante recusa perante a aceitação tácita do conceito de “descartável”. A prescindibilidade é evocada e confrontada a fim de revelar, através da sua negação, o lado vital do componente humano como elemento central das elaborações.
Ok, Bong Joon-ho novamente recorre ao modelo hollywoodiano industrial para construir a sua fábula moral e recusa (na medida do possível) a extorsão dos valores que lhe é cobrada em troca. Mas até onde o diretor é capaz de erigir o aspecto político que Mickey 17 pretende assumir? Diante daqueles parâmetros nos quais o filme está inserido, Joon-ho se aproxima menos de uma dialética do controle (quem é a cobaia afinal?) do que da esquizofrenia das consciências, uma derivação da gastura do personagem-título multiplicado à exaustão que também se refere à forma como a megalomania do político sinistro vivido por Mark Ruffalo move mentes humanas como gado.
Na distopia de Mickey 17 a ironia promove o riso incômodo. A sátira é estabelecida no universo em torno do protagonista. A partir de um ponto-de-vista extremamente fiel à sua experiência enquanto vítima das circunstâncias (jamais vitimização, diga-se de passagem), a dimensão dramática é desenvolvida com o apoio sensível do voice-over. Com isso, Joon-ho torna palpável a sensação de desconforto do homem-experimento perante uma sociedade nada confiável, regulada exclusivamente pelo interesse egóico disfarçado de evolução coletiva, onde a ciência, a economia e a política são elevados ao papel simbólico central. Mas não só as instituições sociais. As relações interpessoais de Mickey também recaem invariavelmente em um abuso de poder sempre partindo do outro (ainda que este possa ser uma “outra face” do próprio protagonista).
Retornando à ênfase política de Mickey 17, onde reside a esperança-antídoto à corrosão misantropa que dá uma estranheza fatalista à fantasia tão sedutoramente arquitetada por Bong Joon-ho. Afinal, é notável a sua capacidade de dinamizar os ambientes a partir da funcionalidade dos corpos reagindo a cada novo compasso narrativo. Há quem aposte que o propósito crítico de seu enredo não é encontrar respostas, mas neste raciocínio a progressão intelectual encontra limitações. Ora, o autor blefa diante dos questionamentos estéticos e filosóficos propostos por ele mesmo. Nos tensionamentos mais exigentes de Mickey 17, Joon-ho (enquanto realizador) não chega a promover uma desconcentração sistemática das estruturas até então assumidas como um método no qual ele próprio almeja encontrar uma saída (formal e narrativa).
Essa limitação, todavia, não chega a tornar Mickey 17 menos interessante, podendo ser reconhecida como um sintoma estanque em relação ao próprio exercício dicotômico perpetuado pelo diretor. O filme abriga em si a diferença entre as capacidades de um diretor, um autor e um realizador quanto à práxis do cineasta.