(9 ½ Weeks). 1986. EUA. 117 min. Produção: Mark Damon, Sidney Kimmel, Zalman King, Antony Rufus-Isaacs. Roteiro: Sarah Kernochan, Zalman King, Patricia Louisianna Knop (baseado no livro de Ingeborg Day). Fotografia: Peter Biziou. Direção: Adrian Lyne. Elenco: Mickey Rourke, Kim Basinger, Margaret Whitton, David Margulies, Christine Baranski.
A obsessão do metteur-en-scène na ficção ‘voyeurística’ de “Um Corpo Que Cai” (Alfred Hitchcock, 1958) assumida aqui por um publicitário (como não negam as raízes profissionais de Adrian Lyne).
Enquanto “Dublê de Corpo” (Brian De Palma, 1984) esgarça a questão da farsa engendrada em torno do protagonista, 9 ½ Semanas de Amor, de maneira autoconsciente, atua sobre o desejo modelador da figura feminina (aqui, Kim Basinger; em Hitchcock, Kim Novak). O filme de Lyne vê Basinger pelo olhar de Rourke - e seu ponto-de-vista não é só assumido pela câmera como também é evidenciado por ela - através das elaborações românticas/sexuais planejadas pelo seu personagem. Mas o young urban professional dos anos 1980, que passou a década anterior deslumbrado pela inserção da pornografia na cultura pop, não é inocente. Pelo contrário, assume a farsa com gosto, vendo nela mais uma possibilidade de torrar a sua grana. Ele não deseja ser ludibriado pela fantasia que elabora, o prazer está numa espécie de masturbação auto-congratulatória. Mickey Rourke conduz Kim Basinger ao alto da torre para consumir a fantasia que ele mesmo construiu, não para desvendá-la. O voyeur se torna obsceno: uma frontalidade é assumida, transformando a contemplação isenta em observação arguta.
Cada fetiche sexual é explorado pelo personagem de Rourke através de decisões específicas de locação, luz, som e figurino, onde Basinger é o principal elemento cênico (e sua figura loira, claro, corresponde ao típico padrão de beleza ‘hollywoodiano’), mas nunca uma parceira criativa. A libido de Rourke é exercida menos pelo ato sexual em si do que pelo prazer de uma realização perfeita, fruto do pleno controle dos meios, algo possível graças ao seu alto poder aquisitivo.
Mas, se o olhar do homem dos anos 1980 não é mais inocente, é também frívolo em sua avidez pelo consumo. As prioridades do personagem de Rourke se estabelecem na estética, formatando o desejo sexual em peça publicitária segundo a cartilha característica dos anos 1980 (megacorporização da indústria cultural; linguagem MTV; ascensão yuppie; a reação neoliberal). As cenas romântico/sexuais - cuja aparência é um misto de comercial e videoclipe - são viabilizadas por um fetiche cosmético, onde a linguagem televisiva valoriza a imagem (em sua textura plástica, seu impacto visual, sua duração fugaz) com o objetivo de vender um produto. No caso, o orgasmo.




9 ½ Semanas (de Amor ?), por sua vez, também se estrutura em eventos episódicos, como se Adrian Lyne nos quisesse entreter da mesma maneira que o personagem de Rourke o faz para si. Talvez por isso a estilização das cenas de sexo tenha permanecido mais na memória coletiva do que as sombras da tensão psicológica gerada pela relação coercitiva entre o casal e a subsequente conclusão dessaturada, esvaída dos efeitos aliciantes do marketing.
Afinal, a relação entre "atriz" e "diretor" se desdobra num perverso jogo manipulativo. Mas para que Kim Basinger perceba a mecânica do romantismo pós-moderno de Mickey Rourke é necessário que ela desça ao underground de New York (e a cidade aqui também é um personagem). Enquanto um grupo de homens assiste a um casal praticando sexo ao vivo, a visão de Lyne/Rourke se detém ao registro desse mesmo evento, numa pequena tela de TV P&B que transmite a filmagem em vídeo. Uma vez que o desejo de seu "realizador" é sempre intermediado pela moldura da imagem, Basinger percebe que a única maneira de acessá-lo é sob uma permanente função subserviente, como objeto de suas elaborações.




Nisto, 9 ½ Semanas de Amor é mais franco em sua auto reflexão do que, por exemplo, “Uma linda mulher” (Garry Marshall, 1990), onde o yuppie da vez paga para transformar uma profissional do sexo de acordo com o ‘bom gosto’ conservador para só então ‘adquiri-la’, não na esfera de uma fantasia sexual assumida, mas como cônjuge mesmo - inclusive, transferindo a responsabilidade do seu desejo de compra para a personagem, sob a falácia de um ‘conto de fadas’. Aqui, Kim Basinger reconhece por conta própria as rachaduras da maquinação romântica operada por Mickey Rourke e opta por desvencilhar-se da engrenagem.
Por isso é no mínimo estranho pensar no relançamento deste filme como uma celebração ao aniversário da atriz, uma vez que a própria já afirmou ter sido manipulada pelo diretor e pelo parceiro de cena durante as filmagens (período que ela classifica como traumático). Ou ainda, publicizá-lo como um programa romântico para o dia dos namorados. Mas apesar da frivolidade estética, é possível enxergar o longa de Adrian Lyne como um exercício visual acerca das obsessões masoquistas e os limites de suas consequentes objetificações.