“Le Dernier Métro” (FR/1980) Direção: François Truffaut. Produção: François Truffaut, Jean-José Richer. Roteiro: François Truffaut, Suzanne Schiffman, Jean-Claude Grumberg. Fotografia: Néstor Almendros. Música: Georges Delerue. Montagem: Martine Barraqué-Curie. Elenco: Catherine Deneuve (Marion Steiner), Gérard Depardieu (Bernard Granger), Heinz Bennent (Lucas Steiner), Jean Poiret (Jean-Loup Cottins), Jean-Louis Richard (Daxiat), Franck Pasquier (Jacquot), etc.
“Assim se desenha a posição do cinema em relação ao teatro. Uma sessão de teatro é uma imagem vista de longe. Para que o efeito global seja vivo, é preciso pintar com um pincel grosso — é preciso derramar a cor em fortes manchas. Todos os detalhes devem ser engrossados, aumentados — exagerados. No teatro tudo é falso, e é preciso conformar todos os falsos detalhes entre eles de modo que eles produzam juntos uma ilusão colorida da realidade, ao passo que o filme apresenta a própria realidade numa estilização propriamente em preto e branco. A distância entre o teatro e o cinema é dada pela diferença entre representar e ser.” (Carl Theodor Dreyer)
Centrado nos bastidores de uma produção teatral em meio à Ocupação alemã-nazista na França da Segunda Guerra Mundial, O ÚLTIMO METRÔ é facilmente remetido à ‘A noite americana’ (1973), filme de François Truffaut ambientado nas filmagens de um longa-metragem. Em ambos há a convicção de que, apesar de todos os empecilhos externos, a união de uma equipe de artistas é a condição fundamental para que o show possa continuar. O ÚLTIMO METRÔ, entretanto, dispõe a regência não mais no papel do diretor, e sim na figura da atriz principal, Marion Steiner. Por força da ocasião, ela se torna também administradora do Teatro Montmartre e diretora por procuração do espetáculo em progresso. Cabe à Marion fazer o que for possível para que a peça seja um êxito e possibilite a manutenção da casa de espetáculos em meio às dificuldades advindas da Segunda Guerra.
Esse é o ponto fulcral da intriga romanesca de O ÚLTIMO METRÔ. A narrativa se situa em um período bastante específico: imediatamente antes da ocupação alemã da zona livre francesa e logo após a Libertação do país, encerrando-se ainda com o conflito mundial em curso. Todavia, em Truffaut, nada é tão simples quanto parece. No prólogo, a voz do cineasta, acompanhada por imagens verídicas da época, situa historicamente o espectador. Mas a narração conclui com um dado falso a respeito de um dos personagens centrais da ficção que se iniciará logo em seguida. Tal estrutura já alerta que O ÚLTIMO METRÔ se pretende menos a um documento fiel daquele interim histórico do que a visão particular de seu autor a respeito de um período concomitante à sua própria infância. Pode-se deduzir que a observação de Truffaut alia-se a do personagem filho da zeladora do teatro, o garoto Jacquot [abaixo], que está sempre brincando tranquilamente em torno do prédio (a ponto de ser convidado para uma breve participação na peça), cuja inocência respalda a própria indiferença perante as questões sociopolíticas do conflito bélico.
Ainda assim, há uma preocupação quanto a verossimilhança histórica que discretamente se apresenta ao decorrer da trama. Tanto os pormenores cotidianos quanto os eventos maiores daquele período bem particular do povo parisiense estão relacionados a alguma atribuição midiática. São detalhes como os títulos de livros e filmes citados, a necessidade dos teatros em reservar poltronas para o Comitê de Propaganda nazista, o jornal que contém ofensas aos judeus dentre as respostas do jogo de palavras cruzadas, os sucessos musicais ouvidos pelo rádio e os cartazes originais de atrações diversas dispostos nas fachadas. Quanto aos episódios de maior impacto social, há a vitrola que abriga a bomba em um atentado revolucionário, as cartas de populares anônimos que denunciam judeus, a necessidade de anuência da censura para levantar um espectáculo, a suspensão arbitrária de eventos coletivos e as batidas policiais inesperadas. Entretanto, o que O ÚLTIMO METRÔ recupera de maneira essencial é a necessidade de recorrer sorrateiramente à farsa e à astúcia no dia-a-dia, seja contrabandeando itens proibidos pelos alemães (usa-se uma caixa de violoncelo para traficar um presunto), retirando-se de certos ambientes públicos no momento devido ou driblando o toque de recolher para assistir Edith Piaf ao vivo.
Astúcia para agir sob as aparências: elemento necessário a qualquer boa performance — ou seja, durante a Ocupação, de ator todo francês tem um pouco. E Marion Steiner [abaixo], atriz na profissão, precisa também representar fora dos palcos para subsistir. Todos acreditam que seu marido, o judeu Lucas Steiner, diretor e administrador do Teatro Montmartre, está foragido na América do Sul quando na verdade o artista está escondido no porão do próprio prédio, dentre os restos de peças antigas. Cabe a Marion administrar as finanças e os funcionários, montar e estrelar a próxima peça, zelar sobre a farsa de seu cônjuge perante todos e, à noite, exercer os papéis de esposa e dona-de-casa junto a Lucas — tudo isso no Teatro Montmartre. No ponto focal de O ÚLTIMO METRÔ, vê-se uma atriz cujo esforço do acumulo de funções visa, primordialmente, a continuidade do exercício de sua profissão em meio à uma realidade instável.
A protagonista já surge no longa-metragem atuando (ela exclama: “Não quero judeus no meu teatro!”). Sua rapidez no improviso e seu fácil desprendimento do factual faz com que se torne difícil perceber onde reside a verdadeira Marion. Talvez ela se deixe escapar em algumas reações ao longo do dia, no escritório do Teatro Montmartre; talvez só se presentifique absolutamente sobre a ribalta, em plena realização profissional; ou permita-se ser apenas no porão, ao lado do marido e parceiro fiel de trabalho, funções que se mesclam porque foi Lucas quem a descobriu artisticamente. Ou talvez em todos esses momentos seja possível detectar um pouco da camada imanente de Marion. É nessa incerteza anti-expressiva que reside a singularidade de O ÚLTIMO METRÔ.
A precisão ótica de François Truffaut, que se limita a registrar comportamentos externos e olhares, revela indiretamente uma enorme consideração por sua personagem, zelando por sua tensão particular ao evitar tornar explícitas suas intenções. Cabe à ambiguidade do rosto enigmático de Catherine Deneuve (em um dos papéis mais perfeitamente ajustados à sua persona gélida) fundamentar a psicologia de Marion através de retenções, silêncios e olhares de um interior que aguarda a emoção do espectador para inteirá-lo. Perspicaz, a câmera do realizador se deixa fascinar pelos encantos da atriz Deneuve/Marion em closes-up’s: não há um só quadro em que sua esfinge não surja sedutora e deslumbrante em seus movimentos. Em comparação à ‘A sereia do Mississippi’ (1969), onde Catherine Deneuve também foi dirigida por Truffaut em um papel que lidava constantemente com a farsa, aqui a atriz está mais confiante e prodigiosamente discreta.
Há um momento em que Marion desabafa a Lucas que, ao contrário do que ocorria com ele, sua gestão do Teatro é constantemente criticada pelos funcionários. É sintomático que os blecautes típicos da Guerra estejam alocados em O ÚLTIMO METRÔ justamente nos momentos em que Marion se sente pressionada em meio a alguma função. Isso se dá na noite em que ela prefere dormir sozinha no hotel do que ao lado de Lucas [acima]; quando um colaboracionista nazi lhe informa ter descoberto que o seu marido nunca deixou Paris; e — o que é especialmente revelador — no momento em que está fisicamente bem próxima de Bernard, seu novo parceiro de palco, no ensaio de uma cena que antecede um beijo de seus personagens.
É graças a um galanteio bastante óbvio e usado sem parcimônia por Bernard, “eu vejo que há duas mulheres em você” (e é curioso como a elaboração sensível da fala de Gérard Depardieu remete àquela do Antoine Doinel de Jean-Pierre Léaud, o popular alterego de Truffaut), que Marion passa a atentar-se ao colega com outros olhos. Talvez porque o ator fosse capaz de compreender o contínuo e solitário jogo de representações que ela se vê obrigada a manter. Apesar do distanciamento seguro adotado por auto precaução pela atriz [abaixo], a tensão sexual se instala não só pela atração, mas principalmente por uma solicitação específica de seu próprio marido.
A partir de um mecanismo estabelecido através dos dutos de ar, Lucas passa a dirigir a peça através de Marion, ouvindo do porão os ensaios no palco e, de noite, repassando suas orientações à esposa, agregando à ela mais um papel: o de diretora por procuração. Uma de suas primeiras orientações é que o seu desempenho seja mais sincero nas cenas de amor com Bernard. Ciente da atração de Marion pelo ator, é como se Lucas, visando o sucesso da performance da esposa e consequentemente, o do espetáculo, induzisse a infidelidade por confiança, sabendo que isso acabaria por beneficiar também o alicerce do casal — no caso, o próprio Teatro Montmartre, objeto de devoção em comum. Logo, o êxito da peça é também o do matrimônio. Para Marion, envolver-se com o ator é, então, atender a uma ânsia particular mas também seguir as orientações do marido, remetendo ao modo de vida anterior às mudanças bruscas trazidas pela Ocupação, quando Lucas conduzia as peças. É no exercício positivista sobre a complexidade de uma convivência conjugal não-idealizada que O ÚLTIMO METRÔ revela sua face menos conservadora.
A fragilidade emocional da protagonista encontra vazão em dois momentos durante a première da peça. O primeiro, quando Marion demonstra por fora a habitual serenidade para acalmar a crise de ansiedade de Lucas, embora no fundo esteja tão nervosa quanto ele — ou mais, já que este é o primeiro espetáculo que produz. Daí, o subsequente lapso comportamental desta mulher sempre atenta a controlar suas emoções: um beijo na boca de Bernard quando a cortina desce ao fim da primeira apresentação da peça, ato quase involuntário graças à sua realização pela aclamação do público [abaixo]. Tal deslize pode ser encarado como uma consequência da sobrecarga do esforço perpetuado pela personagem até ali (algo que se sugere no próprio figurino, o vestido rasgado e puído com o qual Marion conclui a peça).
Logo em seguida a atriz recupera o controle e dispersa com indiferença o ânimo curioso de Bernard, que tenta, sem sucesso, compreender melhor o ocorrido. Eufórica pelos aplausos, ela vai ao encontro do marido no porão, mas Lucas a recebe com frieza, tendo em mãos um compilado de críticas sobre a apresentação. Através da decupagem, François Truffaut traça um paralelo entre os dois casais (Marion-Bernard; Marion-Lucas) ao mesmo tempo que os afirma perante a narrativa: ambas as cenas são filmadas em um plano longo, onde a câmera é conduzida pela movimentação de Bernard (na primeira) e Marion (na segunda). A frustração pela não-correspondência alheia se torna uma linha de força determinante que, indiretamente, aproxima os dois personagens através da imagem.
Com a encenação focada no interior das locações, a textura cromática em tom de ocre ferroso nos cenários, figurinos e fotografia (Néstor Almendros trocou a então onipresente Kodak Eastman pelo negativo da Fujifilm) dá a O ÚLTIMO METRÔ uma atmosfera aconchegante em plena Guerra, imergindo o filme no clima particular que o Teatro Montmartre oferece aos seus membros durante a Ocupação [abaixo]. Tal estilística poderia sugerir que O ÚLTIMO METRÔ é um retrato ingênuo e nostálgico daquele período severo, algo que, combinado à atitude apolítica do discurso do cineasta e ao seu característico referencial clássico (de postura fiel ao narrativo-representativo), culminaria na falsa impressão de um cinema academicista, próximo ao “cinéma du papá” que o próprio Truffaut tanto repudiava enquanto crítico da revista Cahiers du Cinéma.
Por duas vezes ao longo do filme, Marion afirma que, como ela, Lucas não entende de política; sempre leram jornais, mas só a seção de teatro. Esta declaração sintetiza a perspectiva do roteiro, que se põe ao largo de explícitos posicionamentos políticos, evitando denúncias das agruras mais violentas enfrentadas pelos franceses em meio à presença nazista. Entretanto, a retórica crítica de Truffaut, senão isenta, prioriza o compromisso do indivíduo junto a arte sob a forma da profissão (aqui resta a maior conexão com ‘A noite americana’: a apologia do auteur sobre o ofício do artesão). Eis onde verdadeiramente reside o viés otimista em meio a dificuldade coletiva; O ÚLTIMO METRÔ não é uma visão lúdica sobre o elã artístico, mas a manifestação da relevância das funções da arte como propósito de vida para os profissionais que nela trabalham e como distração consoladora para aqueles que a usufruem, apesar das constantes intervenções, censuras e intolerâncias do estranho invasor (os nazistas). Essa via de mão-dupla é alusivamente simbolizada no próprio título do filme, uma vez que os espetáculos do período programavam suas sessões para que terminassem a tempo dos espectadores pegarem o último trem nas estações de metrô.
A centralidade na figura de Marion traz coerência entre o discurso do autor e o exercício de seus conceitos, o que muito se deve à percepção sentimental que Truffaut prioriza em sua obra, tornando sua narrativa sempre vivaz através do vigor de seus personagens. A obstinação da protagonista termina por refratar-se nos coadjuvantes do enredo (no próprio Lucas, que ao invés de fugir prefere permanecer no Teatro por considerar ali o seu lar, até a menina judia que burla o toque de recolher para assistir às peças). Em O ÚLTIMO METRÔ acredita-se que manter a arte viva em tempos difíceis é o verdadeiro ato rebelde.
A intenção de François Truffaut em fazer de O ÚLTIMO METRÔ um filme sobre os bastidores teatrais que também retrata o período da Ocupação culmina em uma narrativa com um grupo de personagens com funções definidas (membros da equipe como atores secundários, técnicos, cenógrafos [acima]), mas sem um lugar preciso na trama, dispostos em micro eventos paralelos e cenas autônomas de tons variáveis — algo que a própria construção do roteiro abarca de maneira desigual, com falta de apuro nas elipses (tanto que é necessário um breve epílogo resumitivo para concluir os rumos dos personagens). Dentre eles, a exceção é o complexo personagem Daxiat, principal representante do nazismo na história. Inspetor geral e crítico de artes de um jornal francês colaboracionista de esquerda, disposto a expulsar todos os judeus dos teatros de Paris, Daxiat é fã do trabalho de Lucas, ao ponto de perceber a influência do diretor na peça recém estreada. E, mais ainda: ele tenta salvar o Teatro Montmartre quando descobre que o patrimônio pode ser requisitado pelos alemães. Na cosmovisão de Truffaut, a reverência à arte alcança um humanismo que ultrapassa até as diferenças mais irreconciliáveis.
A diegese, recortada por portas, janelas e corredores, dá a impressão de que tanto nós como os personagens entre si se observam à distância, vigiam-se, perscrutam-se, contribuindo para os movimentos calculados que a atmosfera de espionagem da Guerra exige [abaixo]. Não à toa, o roteiro traz para o tema da Resistência através do ator Bernard, que se afasta do Teatro Montmartre à medida que se envolve com as forças revolucionárias. Apesar da geometria de dinâmica voyeurista de cena, quando Truffaut parte para o gênero de espionagem na própria narrativa (a visita de Marion ao escritório nazista do Dr. Dietrich; o momento em que o companheiro subversivo de Bernard é caçado na Igreja), o diretor falha na articulação do ritmo e no estabelecimento da temporalidade próprias ao suspense, soando como uma imitação pálida de Alfred Hitchcock e Costa-Gravas.
Uma crítica negativa à peça publicada por Daxiat é a condição-limite para Bernard, que num rompante ataca violentamente o esquerdista. Marion o reprova; para ela, o mais importante é dar continuidade à temporada do espetáculo sem percalços. Aqui se torna ainda mais evidente a moral de Truffaut. Acima de tudo, o show deve continuar: a economia libidinal se concentra numa fidelidade irrestrita à arte, sobrepondo-se à urgência de uma consciência política. O comportamento de Bernard é, para os valores que caracterizam o páthos de O ÚLTIMO METRÔ, a traição imperdoável.
Ainda que François Truffaut não promova um confronto formal entre estruturas teatral e cinematográfica, a correlação entre ribalta e bastidores é exercida em duas ocasiões. Na primeira, tudo se embaralha quando, em meio à apresentação, soldados nazistas invadem o teatro para investigar o porão. Marion desdobra concomitantemente sua performance entre o palco (a atriz), a camuflagem do marido (a esposa) e a distração dos algozes (a administradora), se vendo obrigada a solicitar o auxílio de Bernard junto a Lucas, curto-circuitando a relação que possui com os dois homens [abaixo].
Como de costume na póetica de François Truffaut, o eterno e o transitório estão em constante debacle. A diferença básica no triângulo amoroso de O ÚLTIMO METRÔ é que o envolvimento entre Marion e Bernard, para existir, necessita de uma conexão através de dois papéis numa peça de teatro, ou seja, é de caráter transitório (o relativo) — ao contrário da solidez que caracteriza a ligação entre Lucas e Marion (o absoluto). Logo, a intervenção do diretor era indispensável para que os atores pudessem unir-se.
No último ato de O ÚLTIMO METRÔ, já após a Liberação, um reencontro entre Marion e Bernard no hospital nos sugere que o ator foi gravemente ferido. Após dizer à atriz que nunca a amou de verdade, um corte na cena se volta para as enfermeiras do local. Quando retorna à Marion, não estamos mais em uma enfermaria, e sim numa cenografia de palco; ela jura amor eterno, alheia à indiferença de Bernard. Corte para o público, a cognoscibilidade da história dinamita-se. Estávamos presenciando a encenação de uma peça [comparativo abaixo].
Trata-se do único momento em que a estrutura própria do teatro se torna literalmente um material de expressão da narrativa fílmica. Quando as cortinas caem e o diretor é chamado ao palco para receber os aplausos junto aos atores, Marion se posiciona entre Lucas e Bernard. Um insert aponta ela dando uma mão ao marido e a outra ao ator — a adoção de um tracking shot neste momento revela que Truffaut é diligente o bastante para enfatizar sua perspectiva sem amplificá-la [abaixo]. Marion é o elo fundamental para que o teatro possa existir, promovendo a sinergia entre diretor e ator, uma vez que ela se situa na intersecção entre as duas esferas. François Truffaut, por sua vez, reafirma-se não como o cineasta do afeto, mas o artista do sentimento, que crê no equilíbrio eficaz do amor pela produção (o Teatro) e pelo material de base (o texto da peça) como condição fundamental para o êxito do show.
O filme se encerra sobre um close-up de Marion. Toda a filmografia de Truffaut se debruça sobre o fascínio perante o feminino mas, se há algum longa que seja verdadeiramente dedicado ao ofício da atriz (não em louvor ao star system — por mais que a câmera reconheça seus atributos — , mas ao profissionalismo artesão, que move o esforço necessário para dar continuidade à criação artística através dos meios possíveis), é este.

“Pessoalmente, tenho pouca inclinação pelos atores hostis, arrogantes, os diretores autoritários e as relações de dominação assim criadas. Acredito mais numa cumplicidade afetuosa exprimindo-se por meio de uma mútua ofensiva de charme. Essa atitude permitirá obter um filme que não será apenas a concretização do roteiro, mas algo melhor que o roteiro” (François Truffaut, Télérama, 1982)