Oscar 2024: Indicados a Melhor Filme
Barbenheimer + Scorsese + etc. (críticas, apostas e favoritos)
O Oscar entrou na minha vida junto com a cinefilia, ainda na infância. No passar dos anos, a magia do prestígio hollywoodiano foi se transmutando em ceticismo diante das engrenagens desta máquina econômica. Afinal, nunca se tratou de qualidade artística e sim oportunidades no bom e velho system. A diversão pelo evento em si, todavia, resistiu como uma tradição. O Oscar ainda é um momento em que a grande mídia volta as suas atenções para o Cinema (glamour cada vez mais raro), incentivando um senso coletivo cultural que é parecido com a experiência na sala de cinema ou entre as sessões de um festival. Alguns se distraem com o Brasileirão, eu tenho a Awards Season.
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Barbie
de Greta Gerwig [EUA]
Passada a euforia do evento de marketing, é fácil identificar que os restos substanciais de BARBIE se concentram em Gloria, a personagem de America Ferrera.
Injustamente resumida à famosa fala feminista panfletária, condensadora de todo o esforço de Gerwig ao longo do filme (sendo essa epítome uma estratégia da Warner em meio à temporada de premiações), é da perspectiva de Gloria que deriva o filme, afinal. Suas frustrações promovem um curto-circuito em Barbieland, efeito catalisador da trama. Daí que o caldeirão de referências pop, a autonomia da mulher, a crise existencial, a subversão corporativa, o conflito geracional - tudo o que BARBIE sugere - deriva do inconsciente de uma mulher impelida a equilibrar seus conflitos de meia idade com as responsabilidades familiares e profissionais.
Essa capacidade de personalizar uma ampla perspectiva contemporânea é aquilo que o filme alcança de mais universal. Mesmo que de maneira não tão eficaz, já que a superficialidade autodeclarada e as inúmeras demandas (externas) que BARBIE avoca para si impede o aprofundamento nas consequências críticas desse colapso individual. O comentário feito é propício, quase se consubstancia na forma, mas sua espontaneidade é barrada pela ambição de seus dirigentes - Warner, Gerwig/Baumbach, Margot Robbie, Mattel etc.
No mais, Ryan Gosling nunca esteve tão prolífico como nessa mistura de Peter Sellers e Danny Kaye.
Oppenheimer
de Christopher Nolan [EUA]
Sob a atmosfera do thriller, o registro de OPPENHEIMER assume o formato de um inquérito difuso. Somada à narrativa fragmentada, isso atribui ares de um longo trailer para um filme que se iniciará a qualquer momento. Mas esse regime que alterna entre a interdependência e a autonomia dos eventos, recorrendo à elipse como um princípio estruturador da montagem, tem um objetivo: complexificar a avaliação de um homem por seus atos. Sugerir que é uma tarefa menos simples do que supõe o atual julgamento sumário das redes sociais, por exemplo. Ora, Nolan encara de frente a curiosidade do espectador quanto ao seu discurso (“será Robert Oppenheimer gênio ou carrasco, mártir ou vitimista, manipulador ou manipulado?”).
O dispositivo, entretanto, apresenta falhas: certos recursos estilísticos intervém sem sutileza para significar imediatamente o tom de determinada situação, regendo a emoção daquele que por ventura se perca no fluxo oblíquo de acontecimentos. Apesar disso, a câmera de Nolan é, em si, bastante objetiva. Condizente com a proposta estrutural, ela se concentra na ação imediata dos atores e suas capacidades em relação aos diálogos. Alguns se beneficiam com isso (Downey Jr., Damon, Hartnett), outros não (Safdie, Malek, Blunt).
Ao se referir constantemente à iminência trágica, é evidente que o diretor busca uma urgência rítmica de tom progressivo, a culminar na grande explosão nuclear do experimento Trinity. O que se tem de fato é uma cadência repetitiva pautada pelo instantâneo, por mais que o clímax seja inegavelmente um grande evento - pautado pelo silêncio, em meio a piromania colossal. Tal estratégia assume a opacidade da sequência e atrasa a imersão do espectador, buscando a perspectiva interna de Robert Oppenheimer ante o resultado de seu afinco.
É aí que OPPENHEIMER se estabelece como o comentário sobre uma inteligência excepcional sendo aglutinada por um mecanismo que, apesar da disponibilidade inicial, atesta sua superioridade predatória. Nesse debate sobre a mecânica retroalimentar entre a indústria e a capacidade mental do indivíduo, é fácil aludir à relação da criatividade benquista de Nolan com as estruturas que movem a engrenagem hollywoodiana. Mais até do que o aspecto humano, interessa ao cineasta os esforços mentais que orientaram Robert Oppenheimer à dedicação de seu êxito profissional. O mito que ele se tornou através/pela História é só um decalque.
Killers of the Flower Moon/ Assassinos da Lua das Flores
de Martin Scorsese [EUA]
Scorsese articula ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES através de um olhar macro, no qual a grandeza sócio-econômica é capaz de impelir ou restringir o agenciamento dos seres. Nisto, a estrutura de seu filme se aproxima da ganância manipulativa do fazendeiro interpretado por Robert de Niro, capaz de orientar intenções enquanto estabelece prioridades. Tal consciência plena dos meios faz com que Scorsese adquira o total controle da dramaturgia, transitando por diversos subgêneros sem perder a fluidez e a unidade diante do tabuleiro folhetinesco.
Já a narrativa é a personagem de Lily Gladstone, nativa do povo Osage: atrelada na bifurcação entre a intervenção ineludível do nascente capitalismo e a força intrínseca que evoca as tradições dos indígenas. Quando Scorsese necessita ultrapassar o esquema das elaborações que movimentam o suspense (promovidas por de Niro) para assimilar as complexidades de Gladstone e Leonardo DiCaprio (as peças-chave), a amplitude épica de ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES revela uma certa limitação perante o alcance íntimo. Uma vez que o próprio filme está sempre um passo além dos personagens, o salto para a ambiguidade humana é circunscrito. Mesmo que o realizador zele para que o retrato de DiCaprio, vilão por procuração, não se torne refém de um maniqueísmo tolo.
O elemento basilar da trama é a existência da personagem vivida por Gladstone como um indivíduo. Em tese, tal importância justificaria o epílogo que distancia o espectador do enredo para esclarecer o discurso do autor, apêndice que só evidencia os intuitos extrafílmicos de ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES. É um recurso auto-indulgente, a fim não só de assegurar interpretações “devidas” acerca deste colosso cinematográfico que já nasceu cercado de expectativas, mas também recontextualizar Martin Scorsese na mídia - aludir a podcasts por meio de uma radionovela de true crimes é mais uma maneira de promover o seu contínuo debate com o consumo cultural contemporâneo.
Até porque esse apêndice só sublinha uma proposta já manifesta no decorrer da projeção. Em oposição à simplificação didática contida no livro sobre os Osages (que DiCaprio estuda), ao suposto índice do real capturado nas fotografias do início do século passado e ao olhar arquetípico nas simulações do cinema primitivo, a visão anamórfica de ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES vem ampliar os espectros e revelar os verdadeiros protagonismos. Um filme que não se satisfaz com a mera reconstrução dos fatos, mas propõe especulações acerca do próprio modo de funcionamento da História.
Links para críticas sobre os demais indicados a Melhor Filme:
American Fiction/ Ficção Americana
Poor Things/ Pobres Criaturas + The Zone of Interest/ Zona de Interesse
Anatomie d’une chute/ Anatomia de uma Queda + Past Lives/ Vidas Passadas
The Holdovers/ Os Rejeitados + Maestro
Apostas para a cerimônia:
Oppenheimer: Best Picture, Director, Actor, Supporting Actor, Cinematography, Editing, Score, Sound (8)
Poor Things: Best Costume Design, Production Design (2)
The Holdovers: Best Supporting Actress (1)
Killers of the Flower Moon: Best Actress (1)
American Fiction: Best Adapted Screenplay (1)
Anatomie d’une chute: Best Original Screenplay (1)
Maestro: Best Makeup and Hairstyling (1)
Barbie: Best Song, “What I Was Made For?” (1)
Godzilla Minus One: Best Visual Effects (1)
Spider-Man: Across The Spider-Verse: Best Animated Feature (1)
20 Days in Mariupol: Best Documentary Feature (1)
The Zone of Interest: Best International Film (1)
WAR IS OVER!: Best Animated Short (1)
Nǎi Nai and Wài Pó: Best Documentary Short (1)
The Wonderful Story of Henry Sugar: Best Live Action Short (1)
E os meus favoritos na temporada 2024?
Em meio aos indicados: ‘Vidas Passadas’ [foto acima]; a ascensão de Lily Gladstone no mainstream; a dobradinha Sandra Hüller em ‘Anatomie’ e ‘Interest’; os diálogos e as personagens de ‘American Fiction’; as indecibilidades no texto de ‘Anatomie d’une chute’; a representação do luto de Da’Vine Joy Randolph; os eletrizantes efeitos especiais na sequência final do último ‘Mission: Impossible’; a presença do vermelho nos gráficos de ‘Nimona’; a montagem da Schoonmaker para ‘Killers of The Flower Moon’ (menos o epílogo); a trilha de Ludwig Göransson, apesar do uso nem sempre consciencioso de Christopher Nolan em ‘Oppenheimer’; a canção de Billie Eilish, desde que fora de ‘Barbie’ e ‘I’m Just Ken’ apenas dentro do mesmo; a mixagem de som em ‘The Zone of Interest’; a tour-de-force criativa de Bradley Cooper como ator em ‘Maestro’.
Já entre os esnobados pela Academia: tudo que há em ‘May December’, o grande filme americano do ano [foto abaixo]; David Fincher, a fotografia, a edição de som e o roteiro de ‘The Killer’; Michael Mann, Penelope Cruz, a edição e o roteiro de ‘Ferrari’; a fotografia de ‘John Wick 4’; Zac Efron e a edição de ‘The Iron Claw’; Matt Damon e Tom Conti em ‘Oppenheimer’; o ‘Fallen Leaves’ do Kaurismäki; Franz Rogowski em ‘Passages’; o roteiro de ‘Afire’; Rosamund Pike, a única qualidade de ‘Saltburn’; o olhar concentrado de Bradley Cooper como diretor em relação às performances do seu elenco.